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Pomba morta... Pomba posta?


Já a noite ia alta e o Colégio do Espírito Santo embrulhado na capa nocturna que havia abraçado a cidade. As suas luzes, meros focos de presença, guiavam as pessoas tenebrosamente, porque afinal era momento de luto.

No pequeno claustro jesuítico, conformado com as novas actividades académicas, decorria a missa de corpo presente (bem missa não houve, corpos presentes estavam lá uns quantos…) daquela que há 450 anos é o símbolo deste espaço de sapiência, ensinamento e aprendizagem.

Já estava velhinha, bem certo. 450 anos deram direito a ver muita coisa, a assistir a muitos espectáculos bons e degradantes, a ver passar muitos burros armandos em doutores e muitos doutores armados em burros. Mas ela lá continuou, de braços abertos, ou melhor, de asas abertas, pronta para receber quem quer que fosse, a que horas fosse, com que propósitos fosse.

Espalhados pelas arcadas marmóreas, os estudantes, envoltos com mais ou menos confusão nas negras capas, empunhavam velas que espelhavam a expressão pesarosa e triste, pois o momento também não era para menos.

No meio do claustro, o caixão. Dele ainda saiam as duas asas brancas da defunta, como se, mesmo depois de morta, insistisse em marcar a sua presença, num derradeiro voo para a eternidade.

Entre a marcha fúnebre e alguns gritos de revolta e dor (havia-se optado pela não contratação de carpideiras, já que algumas meninas histéricas, movidas pela tamanha tristeza que suportavam, poder-se-iam ocupar disso) lá seguiu o cortejo. À frente, o caixão, empunhado bem alto. Atrás, uma mole negra, pontuada pelas flamejantes pontas de fogo, seguia-o.

De vez um quando, a noite escura era pontuada por um grito, de dor… dor não pela perda da falecida, mas sim porque uma gota de cera quente havia caído na mão de algum participante mais descuidado e incauto.

Por fim, a leitura do testamento na Catedral, repleto de críticas e apupos redigidos, aguçadas facas que atingiram os principais focos de descontentamento estudantil, que perturbam os nossos presentes e assombram os nossos futuros. Se essas facas fossem verdadeiras, teriam morto mais uns quantos… mas desta vez “safaram-se”.

Leram-se os últimos desejos da falecida, as habituais partilhas, lavradas já em oficial documento para evitarem possíveis quezílias. Ficou bem estabelecido quem ficava com o quê, e penso que todos ficaram satisfeitos (principalmente o Sr. Zé Mendes, calculo eu, que passará a poder usufruir, a seu belo prazer, da Aula Magna da Universidade).

Terminaram deste modo as exéquias. E como a morte deverá ser encarada como um momento de festa, como já não havia nada a fazer (porque afinal de contas o mal é de quem parte) e como as gargantas já estavam a ficar secas (da emoção e da comoção, claro está!…), dirigiram-se os estudantes à capelinha do BarUÉ rezar um pouco pela alma da falecida, entre dois ou três golos de cerveja, gentilmente oferecida pelos organizadores do evento… perdão, do funeral.

Paz à sua alma, à da pomba, claro! E em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo…

Carlos Carvalho

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